Um dos assuntos que mais incomodam os praticantes de atividades físicas e que utilizam a suplementação exógena de creatina é sua controversa com a utilização simultânea da cafeína, um outro suplemento ergogênico. Porém, será que de fato há fundamento na hipótese da cafeína inibir os efeitos da creatina?
Para entender melhor o que ocorre, vamos explicar o que é e como cada uma dessas substâncias age no corpo, lembrando que as reações aqui expressas estão extremamente resumidas pois, na prática, os processos envolvem vias metabólicas muito maiores e complexas que, em muitos casos não são nem entendidas por inteiras.
A creatina é o produto descoberto em 1832 pelo francês Michael Eugene Chevreul, sendo melhor entendida em 1927 por Fiske e Subarrow, quando descobriram através de pesquisas e análises que a creatina fosforiliada era a que exercia de fato papel no metabolismo energético do corpo humano.
A Creatina endógena (produzida naturalmente dentro do nosso corpo) é o resultado da passagem de um grupo amina da arginina, carreado para a glicina formando assim o guanidinoacetato e a omitina, respectivamente.
Então, o grupo metil da S-adenosilmetionina é cessado ao guanidinoacetato. Isso acontece nos rins, fígados e pâncreas (e sua eliminação em forma de creatinina e produtos finais de fosfocreatina, também se dá nos rins), porém, é no tecido muscular que a creatina irá, de fato exercer sua principal função, quando é fosforilada pela enzima CK formando a PCr ou, fosfocreatina. Cerca de 95% dos estoques de creatina inclusive, estão no músculo esquelético, sendo que nas fibras do tipo II, são armazenadas 4 a 6 vezes mais fosfocreatina do que ATP em si.
O papel da creatina é fazer com que o ATP seja mais rapidamente formado do que na glicogenólise (inclusive nos períodos de recuperação), na medida em que, resumidamente, durante o exercício físico entramos em uma reação linear da seguinte forma:
ADP + PCr <> ATP + Cr
Além disso, a PCr ainda possui a função de fazer com que o fosfato entre nas estruturas musculares primárias e consiga ajudar na fosforização das pontes de miosina.
O motivo pelo qual, de fato a creatina melhora a performance de atletas ainda é um tanto quanto controversa. As possibilidades mais aceitas são que a substância provavelmente atrairia água para si, causando retenção hídrica, o que promove melhor distribuição de nutrientes e íons para o músculo e em segundo, que ajudaria também na síntese proteica.
Sabe-se porém que a creatina é o suplemento mais eficaz hoje encontrado para incrementar tanto desempenho quando aumento de massa muscular.
A cafeína por sua vez faz parte do grupo dos alcaloides, sendo classificada como metil-xantina, proveniente de fontes naturais desde mais ou menos 600.000 anos a.C. Todavia, sua descoberta foi de fato em 700 a.C na Etiópia em plantas locais.
A cafeína exerce efeitos próximos dos das conhecidas anfetaminas, porém, com efeitos mais leves.
Por ser solúvel, ela facilmente ultrapassa as membranas gástricas, sendo bem absorvida no trato gastro-intestinal e aproveitada pelo corpo. Seu pico porém, acontece entre 15 e 45 minutos após o consumo.
No SNC a adenosina ao ligar-se em seus receptores diminui a atividade de transmissão nervosa, dilata os vasos sanguíneos, reduz os batimentos cardíacos, a pressão arterial e a temperatura do corpo. Assim, a cafeína age fazendo com que a transmissão de adenosina no cérebro seja bem menor, visto que, por ser parecida com a adenosina, a cafeína consegue ligar-se em seus receptores (A1 e A2) “mascarando” a adenosina verdadeira.
Uma outra forma de ação da Cafeína é no bloqueio da fosfodiesterase, responsável pelo metabolismo do AMPc, fazendo com que os efeitos da adrenalina permaneçam estimulando as células, causando um incremento de atividade neural justamente por esse contínuo estímulo. Esses estímulos fazem com que algumas catecolaminas sejam liberadas e continuem o efeito excitatório.
Todos esses mecanismos fazem com que a creatina seja uma substância que cause taquicardia, vasoconstrição, abertura dos tubos respiratórios, diminuição da fadiga, secreção de maiores quantidade de lípase e pepsina e outros muitos efeitos.
Além disso, quando seu uso é feito corretamente para ergogênese, alguns efeitos na concentração plasmática de ácidos graxos livres são observados, no sentido de aumento. Isso parece óbvio pelo maior recrutamentos destes lipídios para entrarem na beta-oxidação, visto que parte do glicogênio é poupado.
A meia-vida da cafeína, ou seja, o tempo em que ela efetivamente age no corpo é em volta em 2 a 4 horas (por isso, por exemplo, consideramos a cafeína menos tóxica do que a teofilina que tem meia-vida maior), podendo variar de acordo com as dosagens e, claro com a tolerância do indivíduo. Aqui vale lembrar que em exercício físico a mulher tem a capacidade de excretar mais cafeína do que o homem.
A respeitada ISSN hoje tem a cafeína (principalmente quando combinada com a efedrina) como um dos melhores termogênicos e otimizadores de performance, ou seja, substâncias que auxiliam em um maior aumento de temperatura corpórea e também fazem o exercício físico ter um rendimento relativamente maior. Aliás, é essa mesma instituição que recomenda seu uso nos períodos pré-treino (cerca de 15-30 minutos antes).
Tendo então conhecido um pouco mais sobre essas duas potentes e importantes substâncias, podemos conclusivamente entrar em uma discussão que gerará argumentos suficientes para dizer se a cafeína pode ou não atrapalhar os efeitos da creatina.
Será que aquele cafezinho de manhã pode atrapalhar seus ganhos? E o maldito refrigerante de cola? E o chocolate? Será que tudo isso pode simplesmente acabar com o investimento que você fez em sua creatina, logo agora que ela foi efetivamente liberada para comercialização no Brasil?
Primeiramente, é importante deixar claro que ainda não há uma pesquisa que mostre 100% de verdade neste caso, mas podemos especular algumas coisas.
Em primeiro lugar, de alguma forma, a cafeína tem o poder de interagir com o retículo sarcoplasmático, inibindo o transporte de íons de cálcio, que são extremamente importantes na contração muscular.
Além disso, por alguma forma não entendida, a cafeína tem o poder de inibir a síntese de PCr apesar de não fazer os estoques de creatina serem inferiores no músculo.
Sendo a creatina uma substância que teoricamente causa retenção hídrica e este é um dos motivos de seus benefícios, não seria conveniente usá-la com fontes de cafeína, visto que esta é uma substância que melhora a diurese e a sudorese pela termogênse, causando uma decorrente desidratação (claro que em níveis baixos e que não afetam a saúde!)
Mas espere! É realmente interessante vermos a aceleração no processo de síntese de ATP que a creatina gera no corpo humano.
Todavia, este é um processo que não acontece na velocidade da luz, porém, acontece constantemente caso haja substratos para tal. Assim, o corpo formará diversos ATPs enquanto estiver vivo.
O que quero dizer é que este processo NÃO para! Aliás, por algum motivo ficamos sem energia ou sem ressíntese PCr endógeno quando usamos café? Claro que não!
Se observarmos bem os efeitos da cafeína, vamos perceber que ela possui um pico de concentração plasmática entre 15 e 30 minutos após o seu consumo, meia vida de 2 a 4 horas (que é o que realmente conta para ação da substância) e excreção em 24h no máximo, sendo que para praticantes de atividade física o período é relativamente menor.
Isso nos leva a crer que a cafeína pode SIM ser consumida em períodos que se usa creatina. Porém, não ao mesmo tempo, digo, na mesma hora.
O importante aqui é saber respeitar a meia-vida da cafeína para a ingestão da creatina. Mas, você deve estar se perguntando: “Se eu consumir a cafeína antes do treino e a creatina após o treino, não estaria praticamente desrespeitando a Meia-vida da cafeína?” Não, provavelmente não.
Se levarmos em conta que a creatina exógena não é absorvida e nem metabolizada em PCr imediatamente, podemos claramente calcular o consumo da cafeína em 1,5h antes do consumo da creatina (30 minutos antes do treino + 1h até o shake pós-treino) e, sem levar em conta que estou falando de horas relacionadas a um indivíduo sem a prática de atividade física (ou seja, para o praticante, este tempo de MV é ainda menor) e sem levar em conta também o tempo que demora para a creatina, se fato ser metabolizada em PCr.
Enfim, não se assuste ao consumir bebidas com cafeína em momentos distantes da creatina achando que o efeito da mesma será inibido. Todavia, caso o uso da cafeína seja ergogênico, atente-se a meia-vida e o seu problema está resolvido. Não caia em lorotas por aí.
Bons treinos!